segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Bônus de até 20% na residência - Carta de Repúdio

São Paulo, 26 de setembro de 2011.

Carta aberta à População Brasileira

O acesso universal aos serviços de saúde é contemplado pela Constituição de 1988 como direito de todos e dever do Estado, no entanto, a viabilização desta diretriz sempre representou um obstáculo difícil, tratado por muitos como intransponível, em um país de dimensões continentais como o Brasil.
As tentativas e propostas para solução do problema foram as mais variadas ao longo dos anos,no entanto,  unca se conseguiu estabelecer um programa eficaz e capaz de suprir as necessidades da população. O sucesso de tal empreitada depende substancialmente de uma grande mobilização de recursos e de uma análise crítica e aprofundada das necessidades de saúde da população brasileira. Não se pode, portanto, acreditar que a resolução de uma demanda tão complexa pode ser obtida sem um esforço político intenso, um aporte financeiro significativo e principalmente amplo debate com a sociedade civil.
Infelizmente, não foi assim que se pautou a Resolução nº 3 da Comissão Nacional de Residência Médica, publicada em 16/09/2011. O citado documento estabelece bônus de 10 a 20% na pontuação final dos candidatos aos programas de Residência Médica que tenham participado por pelo menos um ano do Programa de Valorização Profissional da Atenção Primária.
Vale a ressalva de que os programas de Residência Médica são concursos públicos de concorrência acirrada nos quais os egressos das faculdades de Medicina buscam a complementação de sua formação profissional e uma especialização em área específica do conhecimento médico. Dispensa-se dizer que bonificações como as previstas não só alterarão o resultado final de maneira gritante como se tornarão condição indispensável para aprovação em futuros exames.
Sob a bandeira de interiorizar os serviços de saúde e promover a fixação dos médicos em comunidades onde o Estado se faz pouco presente, a resolução causa uma inversão de valores explícita não sendo benéfica nem a população nem a classe médica. Não garante a fixação de médicos especializados em Atenção Primária à Saúde nas regiões com maior necessidade, mas a presença de médicos recém-formados, com pouca experiência, vivenciando condições de trabalho precárias e incompatíveis com a prática da Medicina.
À população será oferecida assistência de baixa qualidade e realizada por médicos cujo único intuito será obter bonificação em um exame e que abandonarão a comunidade em curtíssimo tempo. Este cenário é impensável segundo a ótica do Programa de Saúde da Família - PSF que preconiza como um de seus pilares o atendimento e acompanhamento em longo prazo do paciente, de sua família e da comunidade na qual este se insere.
À classe médica serão oferecidas condições de trabalho, fixação e remuneração incompatíveis com o exercício profissional digno. Utilizar-se-á, na forma de serviço civil praticamente obrigatório, da mão de obra barata de recém formados como solução fácil e absolutamente ineficaz para um problema cuja solução passa pela valorização da especialidade de Medicina de Família e Comunidade, a criação de um plano de carreira para médicos do Estado e, principalmente, investimentos significativos na construção e manutenção de aparelhos de saúde em todas as regiões do país.
Não bastassem todas as críticas pertinentes à iniciativa, ainda merece destaque o escasso e superficial debate com a sociedade civil. Grande parte das agremiações estudantis, associações de classe, Escolas e Faculdade de Medicina e até mesmo Comissões Estaduais de Residência Médica foram surpreendidas com a aprovação da Resolução estruturada às pressas sem a devida mobilização e diálogo com os grupos sociais diretamente envolvidos.
A apreensão e desconfiança só se exacerbam quando se nota que o projeto, embora aprovado, não apresenta regulação ou estruturação sólidas. Não passa de diretrizes nebulosas e um grupo de trabalho ainda não estabelecido. O intuito de aprovação relâmpago é influenciar os programas de Residência Médica já em 2012 com a reserva de vagas. Tal objetivo já seria por si só inviável, para não dizer irresponsável.
Questionamentos básicos como o tempo de duração da bonificação, o número total de vagas, o método de seleção dos interessados, o critério de avaliação dos médicos participantes e a supervisão dos recém-formados ainda permanecem sem resposta, mesmo a poucos meses do início das atividades.
O grande esforço para aprovação, mesmo nestas condições, sugere que o intuito central não é a melhoraria da assistência à população, mas visa um objetivo puramente político. Ainda, aponta para a supressão do debate e autoritarismo na tomada de decisões unilaterais sem a devida discussão com a sociedade e com os agentes da atenção à saúde.
Frente ao exposto, os Centros e Diretórios Acadêmicos aqui vinculados, representando seus estudantes, repudiam a Resolução nº 3 de 16/09/2001 da Comissão Nacional de Residência Médica. Exigem, ainda, a suspensão das determinações do citado documento e um amplo debate com a sociedade prévio a aprovação e aplicação de quaisquer medidas tão relevantes ao país. Por fim, convocam as demais instituições civis para se manifestarem e se envolverem na discussão sobre o tema.

Centro Acadêmico Oswaldo Cruz
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Centro Acadêmico Manoel de Abreu
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Centro Acadêmico Rocha Lima
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Centro Acadêmico Medicina Sérgio Arouca
Universidade Federal de São Carlos

Centro Acadêmico Emílio Ribas
Faculdade de Medicina de Catanduva

Diretório Acadêmico Samuel Pessoa
Faculdade de Medicina da Pontífice Universidade Católica de Campinas

Centro Acadêmico Medicina UNICID
Universidade Cidade de São Paulo

Diretório Acadêmico Professor Alphonso Bovero
Faculdade de Medicina de Jundiaí



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